domingo, 31 de outubro de 2010

Minha ida pra Meca da Lingüística, ou: Já posso morrer feliz!


Quinta-feira eu realizei um sonho: fui assistir uma aula do Chomsky no MIT! Para os não-lingüistas que lêem este blog, explico: o Chomsky é o pai da teoria com a qual eu trabalho. Mas não é só isso: ele é um dos maiores intelectuais da atualidade. Um cara importantíssimo, conhecido e aclamado no mundo inteiro. Enfim, um ídolo. Todo lingüista que se preza tem que ir pro MIT ver o Chomsky pelo menos uma vez enquanto ele ainda tá vivo. É como ir pra Meca.

Meu dia começou muito cedo: acordei às cinco da manhã, botei a cafeteira pra funcionar (já tinha deixado preparada na véspera, pra economizar cinco minutos), me vesti, tomei café, me arrumei e às seis em ponto tava saindo de casa. Lá fora tava uma escuridão total e uma baita umidade. Fui pro ponto de ônibus. O baiano chegou logo depois. Pegamos o ônibus pra estação de Greenbelt às 6:15. Às seis e quarenta pegamos o ônibus pro aeroporto de Baltimore. Chegamos lá às 7:10. O dia estava, finalmente, amanhecendo. Caminhamos meio aeroporto até encontrar o balcão da nossa companhia, fizemos o check-in e fomos direto pra fila do portão de embarque.

Quem acha que a segurança dos aeroportos no Brasil é um saco não tem noção de como é aqui. No Brasil é só passar no detector de metais e colocar a bagagem de mão na esteira do raio-x. Às vezes apita e tem que tirar o cinto. Beleza. Aqui a gente tem que tirar os sapatos, casacos e echarpes; tem que tirar o computador da sacola, e os líquidos tem que estar em frascos de no máximo 20ml, e todos eles devem estar dentro de um único saquinho ziploc, que também deve ser tirado da bolsa. E um anel é suficiente pra disparar o alarme do detector de metais. É claro que isso tudo leva um tempão e a pessoa tem que chegar no aeroporto com muita antecedência.

Passada a via crucis, fomos comer alguma coisa. Mal terminamos de comer e já tavam chamando nossos nomes pelo sistema de alto-falantes - e olha que faltava meia hora pro vôo sair. Aqui eles querem te embarcar o mais rápido possível pra não ter atraso nenhum. Mas é chato porque aí tem que ficar meia hora sentado nas poltronas desconfortáveis do avião. Enfim. Entramos. O avião saiu no horário certinho (8:30) e o vôo não demorou nem uma hora: 9:20 a gente já estava em Boston.

De cima a cidade é linda. É uma cidade costeira (eu não sabia) e grande, bem grande. Como a gente tava contando com potenciais atrasos do vôo e demais percalços, não tínhamos programado nada de interessante pra fazer de manhã. Mas em cinco minutos de pesquisa no aeroporto descobrimos pra onde ir: pra Universidade de Harvard! Vocês devem estar pensando que só dois nerds mesmo pra ir pra uma cidade nova e conhecer duas universidades. Verdade. Mas Harvard é muito perto do MIT (duas estações de metrô de distância) e é uma das universidades de maior prestígio no mundo inteiro. Tem que ir conhecer, né!

Pegamos um ônibus e nos mandamos. Achei que ia dar pra ver bastante da cidade andando de ônibus, mas que nada: o ônibus pegou um túnel imenso e não deu pra ver quase nada. Mas o interessante é que o túnel era todo revestido de azulejos!


Depois de um longo tempo dentro do túnel, pudemos ver um pouquinho da cidade:


Mas como tudo o que é bom dura pouco, logo entramos num novo túnel, mas esse não era de azulejo. Acreditem ou não, em Boston tem ônibus que andam por túneis que parecem túneis de metrô. De tanto em tanto tempo tem uma estação igualzinha à do metrô, com escadas rolantes pra subir pra superfície e integração com linhas de metrô que passam em níveis mais acima ou mais abaixo. Eu achei absolutamente genial! Algumas fotos pra vocês verem:

uma estação com escada rolante e tudo 

o ônibus na estação em que a gente desceu 

o túnel

Descemos do ônibus e pegamos um metrô, na mesma estação, até Harvard. É impressionante como aqui nos Estados Unidos é fácil se locomover pra cá e pra lá mesmo sem conhecer a cidade e sem ter um mapa! Tanto os ônibus quanto os metrôs te avisam exatamente em que estação tu está, qual é a próxima parada, etc. Não precisa perguntar pro cobrador, aliás, não tem cobrador, a gente paga a passagem com cartão de passagem ou colocando o dinheiro numa máquina que fica do lado do motorista. É assim em todas as cidades que eu fui até hoje.

Descendo do metrô, a primeira coisa que a gente enxerga é o portão de Harvard: 


Dentro dos portões é tudo lindo! Os prédios são lindos, as árvores no outono são lindas e multicoloridas, tem cadeirinhas espalhadas na grama pras pessoas sentarem... Olhem só:






Mas não é só isso! Logo de cara demos de cara com... John Harvard! A estátua superfamosa do fundador da universidade superfamosa! Vou falar pra vocês: é muito difícil conseguir uma foto com a estátua! Observem:

 eu, John e a torcida do Mengão


eu, John e os japinhas 


eu, John e o baiano

eu e John sem uma perna

Ficamos andando pelo campus sem fazer idéia de que prédios eram o que, só ohando a beleza da arquitetura e das árvores (eu fiquei apaixonada pelas árvores!):













em Harvard também tem esquilos!

Aproveitamos pra tirar uma onda e sentar nas cadeirinhas. Como vocês podem notar pelas fotos acima, o dia tava lindo: sol ameno, nem calor nem frio. Mas tinha um vento digno de Finados (pelo jeito não é só no Rio Grande do Sul que tem ventania perto de Finados). Sentamos um pouquinho e eu realizei mais um sonho:

 já posso dizer que estudei em Harvard!

viu mãe? pode ficar bem orgulhosa!


Continuamos perambulando até chegarmos no que eu acho que é meio que o centro da universidade. Concluo que seja o centro porque tava tendo um monte de "manifestações" dos estudantes, uma mais esdrúxula do que a outra. Alguns exemplos: 



 "se você gosta de Coldplay, você não merece votar"


Também tinha um grupo meio riponga tocando pandeiro e uma guria discursando em cima de um banco. Me senti na FFLCH, na Letras da UFRGS... rs

Bom, já era mais de 11:30, então decidimos arrumar um lugar pra comer e depois ir pro MIT. Não podíamos chegar atrasados na aula do Grande Mestre! 



desse ângulo dá pra ver que a chapinha de 5 minutos que eu fiz antes de sair não resistiu à combinação umidade + avião... rs 



na inscrição do portão diz "1881"




"em memória do sofrimento e da força dos homens e mulheres de Cambridge durante a revolução: 1775 - 1783"

percebam que tem duas floreiras penduradas no poste de luz :)

 literalmente: "para fogo, abra e puxe o gancho". evidentemente é em caso de fogo, mas colocado dessa forma parece que seguindo as instruções o cara vai provocar fogo...

portão principal de Harvard

Bom, entramos no primeiro lugar que tinha comida que apareceu pela frente. Era bem charmoso (aliás, os arredores da universidade são muito charmosos), parecia até bem caro, mas no fim nem era. Aliás, aqui a gente consegue comer em lugares com um toque de sofisticação sem gastar os olhos da cara. Eu gastei nove dólares, a água foi de graça, e o cardápio era todo elaborado por um chef, cheio de sofisticação. Tudo bem que eu só tomei uma sopa, mas foi proposital: a sopa parecia muito boa (e de fato era), e como eu tinha dormido pouco, se comesse um monte ia dormir na aula do Chomsky. Achei melhor pegar leve.

Depois do almoço pegamos o metrô pro MIT. Chegamos rapidinho, mas não fazíamos a menor idéia de pra que lado andar. O prédio 32, onde seria a aula, é reconhecível a quilômetros de distância (vocês já vão entender o porquê). Mas e achar o danado? O MIT é espalhadão, quase não tem cara de universidade. Mas graças à tecnologia, conseguimos achar o rumo.

Explico: eu tava com o Obamis. Acessei a internet do MIT, que felizmente não precisa de senha, e liguei o navegador do Google Maps. E ele nos guiou até o nosso destino. Melhor ainda, nos permitiu passar por essa paisagem incrível:



isso sim é que é prédio de universidade! 



MIT: nós fomos! 


Depois de uns quinze minutos de caminhada, chegamos no prédio 32:

eu não disse que era inconfundível? 




O prédio é, realmente, fantástico. O problema é que esse show de design se reflete lá dentro -  e é muito difícil achar o rumo! Perambulamos uns dez, quinze minutos até encontrarmos a sala certa. Quando chegamos faltavam dez pras duas e já tava lotado. Às cinco pras duas eu contei mais de 50 pessoas na sala. Às duas tinha umas 70, e tinha gente sentada no chão. Eu acabei sentando bem na frente, porque ninguém queria sentar na frente! Todo mundo que chegava ia se enfiando lá pra trás, com medo do Grande Mestre. Foi bom ter sentado na frente porque pude colocar o Obamis na mesa, bem viradinho pro Grande Mestre, e gravar a aula todinha.

Detalhe: eu tava me mijando, mas não quis correr o risco de sair pra catar um banheiro, me perder e chegar atrasada na aula. Já pensaram que vergonha? E devo dizer: ainda bem que não saí, porque o banheiro mais próximo era longe e difícil de achar.

Um pouco depois das duas, e depois de muita expectativa, finalmente ele chegou. Sorrindo. Simpático. Diferente do que eu imaginava, mais gordinho. Velhinho. Quer dizer, velhinho eu sabia que ele era, mas não imaginei encontrar alguém com aspecto tão frágil. A voz saía baixinha, a mão parecia não ter força pra abrir um marcador de quadro-branco, menos ainda pra escrever. Mas a cabeça lúcida, funcionando mais rápido que um supersônico. A aula não foi até as cinco porque, como ele mesmo admitiu às quinze pras quatro, não sabia se teria forças pra falar muito mais. Ainda assim ficou respondendo perguntas até as vinte pras cinco.

A aula não foi nada do que eu esperava, e talvez por isso eu tenha ficado ainda mais encantada. A discussão toda girou em torno das críticas (improcedentes) que o nosso método de trabalho vem recebendo das ciências cognitivas, do espaço que essas teorias estão ganhando e do que devemos fazer pra manter a nossa área ativa e visível. A grande preocupação do Chomsky é que nos tornemos uns esquisitões nas ciências, um gueto cult que só os iniciados entendem e admiram. Ele tava visivelmente preocupado, e incomodado, de ver que estamos perdendo espaço pra uma área que não só não é ciência, mas que ainda por cima não explica absolutamente nada. Ele também falou bastante sobre a evolução da linguagem nos seres humanos, defendeu a teoria da exaptação, rebateu críticas a essa visão, criticou a visão adaptacionista, enfim, falou muita coisa muito relevante. Apesar do cansaço e do sono, eu mal pisquei durante o tempo em que ele ficou falando. 

Aos que estão se perguntando se eu tive coragem de pedir uma foto ou um autógrafo, a resposta é não. Ver o Chomsky falando, pra mim, foi o suficiente. E se eu conseguir economizar uma graninha, ainda volto lá no MIT mais uma vez antes de ir embora. Vale a pena o trampo, o cansaço e o investimento.

Depois da aula, corri pro banheiro e de lá corremos pro aeroporto. Mas não sem antes tirar fotos na frente do prédio 32...


...e dar uma passadinha na loja da MIT Press, a editora da universidade, que publica todos os livros do Chomsky e de mais um monte de gente importante. Confesso que saí de lá alguns dólares mais pobre, mas valeu a pena: livros sem taxas, alguns com um bom desconto e outros que não se acha mais pra comprar por aí. Fiquei feliz!

A volta foi corrida: do metrô pro ônibus, do ônibus pro balcão da companhia (eu já tava com meu ticket de volta, mas o baiano não tinha pego o dele), do balcão da companhia pra segurança (a fila tava enorme e o tiozinho que confere os documentos, um velhinho de uns setenta anos no mínimo, ainda veio me cantar perguntando se eu sabia que as brasileiras eram as mulheres mais lindas do mundo. Respondi que já tinha ouvido falar e ele disse "é, eu acho que eles têm razão". Pode isso?), uma passada a jato na banca pra comprar água e um salgadinho pra aplacar a fome, e zás pra dentro do avião. 

O avião demorou um século pra decolar. Aqui funciona assim: a gente tem direito a um item pessoal e uma bagagem de até 18kg na cabine. Se quiser levar mais coisas, tem que despachar e aí paga um preço por volume. Como o vôo tava lotado, não tinha espaço pra bagagem de todo mundo. Então teve gente que teve que sair do avião, voltar no balcão da companhia, despachar a bagagem, passar de novo pela segurança e reembarcar. Só que nisso o vôo demorou um monte pra sair. Demorou tanto que eu peguei no sono antes de decolar e só acordei quando pousamos em Baltimore. 

Detalhe: pousamos em Baltimore dez minutos antes do horário do ônibus que a gente tinha que pegar pra voltar pra casa. Se a gente perdesse aquele, só tinha outro meia hora mais tarde, e aí chegaríamos em casa quase às onze. Descemos do avião correndo, corremos aeroporto afora, e felizmente conseguimos pegar o ônibus certo. Tivemos que esperar um tempo em Greenbelt, tava muito frio, ventando muito, quase congelei. Mas chegamos às dez e quinze, como tava no script. Exaustos, mas felizes. 

10 comentários:

Ana Paula disse...

Eu imagino que se abalar até Boston e não dar uma passada em Harvard seja como aquela coisa de Roma e o papa.

Leo disse...

Meca e Roma no mesmo dia!

Vida disse...

Noooossa, Harvard parece a UFBA. kkkkkkkkkkkkkkkkkk

Menina, morri de ansiedade para ter notícia de tal aula. Ai, que sonho, mesmo p mim, q n sou gerativista (mas sou simpatizante hihi)

Unknown disse...

Que tri!! Claro que fiquei "mais" orgulhosa!

Luciana disse...

AAAhhh que demais!!! Que privilégio ver uma aula do CARA!
Achei o prédio sensacional! Que futurista...

Unknown disse...

MUIIIto legal Leo!! Grande dia esse. beijao!

Marcos Carreira disse...

Muito legal, Leo. Fazia tempo que não vinha aqui...
Aula do Chomsky, MIT, Harvard!! UAU!!
Abraços,... de Ponta Grossa-Pr. :-)

Anônimo disse...

Vocês viram o Chomsky!! Quando vocês chegarem, quero tocar em vocês! =)

Leo disse...

mas a gente não encostou no Chomsky, Renato... :(

Sabrina disse...

Amigaaa, que legal tudo isso, visitar Harvard e o MIT e, ESPECIALMENTE, assistir a uma aula do Chomsky, muito legal!! Depois eu quero uma cópia da aula, hein!! hehehe!! beijao!