quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O pós-neve

Caros leitores, hoje eu posso dizer tranqüilamente que nunca tinha passado tanto frio na minha vida até poucas horas atrás. Como vocês viram no post anterior, amanhecemos nevados. Foi uma surpresa e uma emoção olhar pela janela e ver tudo branquinho branquinho.

Saí preparada pra enfrentar o frio - ou assim pensei, ingenuamente: duas meias-calças de lã, uma meia de lã curta, calça de lã, segunda pele, camiseta gola alta, blusa de lã, capa, cachecol, touca, luvas de camurça, bota até os joelhos. Praticamente vestida pra uma expedição à Antártida, vocês devem estar pensando. Eu também estava pensando isso, mas o pensamento se dissipou no primeiro golpe de vento que eu tomei na rua, o que foi mais ou menos meio segundo depois que eu pus o pé pra fora do edifício.

A temperatura tava -3ºC (é o que tá fazendo agora, enquanto eu escrevo). A sensação térmica, por causa do vento, tava em -11ºC (também é a sensação agora). Ficar dez minutos esperando o ônibus foi um martírio; meu pé, coitado, congelou loucamente. As minhas botas de couro, que são infalíveis no inverno gaúcho, não dão nem pra isca no frio daqui. Meu tênis também não resolve muito, porque é de tecido e o frio entra direto. A solução é sair com essas botas horríveis que parecem pantufas, que todo mundo usa por aqui. Mas eu me nego a comprar um troço que, além de horroroso, nunca mais eu vou usar na vida a menos que eu me mude pro hemisfério norte.  

O que é uma droga, já que o que mais tem me incomodado nesses dias frios é o pé congelado, porque eu realmente sinto que a circulação se interrompe, meus pés ficam formigando, e eu tenho medo de perder um pé (ou os dois, ou algum dedo que seja). O frio no rosto também incomoda bastante quando venta, porque por mais que a gente enrole a cara no cachecol não fica bem protegido e eu volta e meia entro nos lugares com o rosto roxo. Roxo combina com o meu tom de pele, mas o meu tom de pele, quando roxo, não combina muito bem comigo... rs.

Enfim. Enquanto esperávamos o ônibus, aproveitamos pra tirar umas fotos na neve:






Pois é. A neve é muito linda. Eu tou encantada, passei o dia inteiro olhando as nevinhas amontoadas no meio-fio (sim, tem um pouco de neve acumulada até agora; pra vocês terem uma idéia de como ficou frio o dia todo). Mas vou falar pra vocês: antes de qualquer coisa, parei no shopping e comprei um casaquinho de plush bem baratinho e bem quentinho pra colocar entre a capa e as outras roupas. Aí consegui me sentir um pouco mais gente, apesar do pé que insistia em congelar. 

A máxima durante o dia não passou de -1ºC. Mesmo assim seguimos o combinado: ir até Adams Morgan (uma região histórica aqui de DC), almoçar no restaurante etíope (recomendação do nosso orientador brasileiro) e depois rumar pra biblioteca do congresso pra ler mais um pouco dos livros. Fomos até Dupont Circle de metrô e de lá pegamos um ônibus. A espera pelo ônibus foi uma tortura pros meus pés. Achei que eu ia ter um troço, mas sobrevivi. Chegamos em Adams Morgan e constatamos que é verdade o que dizem: é um lugar completamente multicultural. Tem restaurante de tudo que é etnia, um do lado do outro, e várias lojinhas idem, que a gente não viu porque estávamos com frio, com fome e com um pouco de pressa. Mas o lugar é bem bacaninha. Se eu tivesse mais tempo, valeria uma visita com mais calma, mas como tou indo embora, vai ter que ficar pra próxima vez que eu vier pros Estados Unidos.



tem até o Beto Carrero hehehehe

Logo de cara achamos um restaurante etíope, e como não fazíamos a menor idéia de que cara deveria ter um bom restaurante etíope, concluímos que não fazia sentido procurar outros. Entramos e uma moça muito etíope, provavelmente vestida a caráter (um vestido de algodão branco que lembrava roupa de umbandista - não sei como ela não tava morrendo de frio), veio nos atender. Escolhemos uma mesa e começamos a tentar decifrar o cardápio.

fachada do restaurante - parece que é um dos melhores
etíopes em DC

Ah, sobre as mesas. Sabe esses cestos que os índios vendem por aí no Brasil? As mesas eram feitas desse mesmo material, e muito baixas, mais ou menos na altura dos joelhos da gente. Na verdade as mesas pareciam grandes cestos com uma toalha avermelhada por cima. Do lado tinha uma mesinha auxiliar, de madeira, que depois descobrimos que era pra apoiar os copos.

Acabamos pedindo lá um prato que era pra duas pessoas, chamado meskerem messob. Pelo que conseguimos decifrar (ou seja, o que não tava escrito em "etíope") o prato tinha frango, gado e cordeiro. O resto era uma sucessão de nomes de comidas e ingredientes etíopes sem nenhuma explicação sobre o que eram. Como a ignorância é uma bênção, especialmente quando se trata de ingredientes obscuros de culinárias exóticas, achamos melhor nem perguntar muito.

Quando veio a comida, era um pratão enorme (do tamanho da mesa) com vários "montinhos": um de carne, dois de frango, um de cordeiro e os outros dois só deus sabe o que eram. Tudo isso em cima de uma massa fina, meio cinza, parecendo uma panqueca meio crua, esponjosa, que é o pão deles. Vieram também outros três pães enroladinhos num prato separado. E nenhum talher. Moral da história: come todo mundo do mesmo prato, e a gente pega pedaços daquele pão e usa pra agarrar uma porção de comida.

Eu confesso que achei bem estranho. O pão, que se chama injera,  tinha uma cara estranha, a comida tinha uma cara estranha e o sistema, bem, era "pouco ocidental". Mas devo dizer que a comida tava bem gostosa, eu comi um pouco de cada montinho e gostei de todos. É bastante temperada, mas não é muito apimentada. É diferente. E como já faz quase doze horas que eu almocei e não me deu nenhum piriri, dá pra concluir que é uma comida segura.

Lá pelas tantas chegou o dono do restaurante e perguntou se tava tudo bem. A gente falou que era nossa primeira vez num restaurante etíope, que éramos do Brasil, e aí ele explicou que o pão é feito com um grão chamado teff (não achei tradução), que não tem glúten. E falou que da próxima vez tínhamos que provar o vinho de mel, que pelo jeito é um clássico etíope. Eu fiquei pensando que devia ser parecido com o hidromel. Depois fui ler na internet e parece que é mesmo :)

Saímos do restaurante direto pro Starbucks. Um copão de café e um lemon pound cake (minha mais nova paixão gastronômica) depois, estávamos prontos pra ir pra biblioteca. Ah, tem mais fotos clandestinas da biblioteca pra vocês verem! Tirei nos outros dias que eu fui lá e não contei pra vocês. Fui várias vezes na última semana, já tou tri insider, cumprimento os funcionários e não me perco mais nos túneis e labirintos. E consegui até capturar o relogião:

de longe, mas consegui!



Bom, mas como eu sou muito curiosa, cheguei em casa e fui catar informações sobre a comida etíope. Na verdade, um pouco eu já tinha lido no cardápio: os etíopes realmente compartilham o prato e comem com as mãos, usando o injera como "talher". Comer no mesmo prato é sinal de confiança, e inclusive, pelo que eu li no cardápio, não é incomum uma pessoa dar comida na boca da outra. Mas achei outras informações e algumas fotos, pra quem se interessar:

teff

foto do meskerem messob servido no Meskerem

injera

nessa foto dá pra ter uma idéia de como são as mesas

3 comentários:

Vida disse...

Vou contar uma coisa estranha da Bahia: sabe a comida baiana caruru, feita de quiabo? Há pessoas que fazem com intuitos religiosos, em agradecimento a algum santo por uma graça e tal. Ele chamam caruru de preceito. Pois bem, nesse tipo de caruru que se oferece em dua de Cosme e Damião, chamam 7 meninos para comer num tacho grande, todos juntos e de mão. Agora pense aí comer uma 'quiabada' de mão. Eu não gosoto nem de ver. rs

Ana Paula disse...

Hidromel!! Meu reino por um barril de hidromel!!

Leo disse...

Vida, é estranho de ver e mais estranho ainda de fazer. Mas valeu pela experiência hehehe.

Ana, seus problemas acabaram! dirija-se ao restaurante etíope mais próximo!